sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Em Moçambicano


São 6 da manhã e moçambicano não dorme – ferra. O despertador toca e ele não se levanta cedo – madruga. E não vai tomar duche – vai duchar. E não se arranja – grifa-se bem. Depois não toma pequeno-almoço – mata-bicha. E não bebe café solúvel e pão com doce – toma café batido e bread com jam. Não sai de casa para ir trabalhar – vai no serviço. E quando chega ao local de trabalho não pede desculpa por ter atrasado – diz sorry lá que tive problema de transporte. E não trabalha até ao meio dia – djoba até aquela hora das 12. E aí não pede ementa – pede menu. E não come – tacha. Não come batata frita – come chips. Não come salsichas – come vorse. Não come costeleta – come t-bone. E não bebe uma laurentina preta - toma uma escura. E não fala com o amigo sobre a namorada – bate papo “brada, minha dama”. E não gosta muito – grama maningue. E na saída do restaurante não vê as mulheres que passam – aprecia as dama. E não seduz – paquera. E não faz convite – pede contacto. E não a segue – vai a sua trás. E não encontra um conhecido mais velho – apanha um jon cota. Na rua não compra caju – compra castanha. E não tira fotografias – fota. No escritório a empregada não despeja o lixo – no ofice trabalhadora vai deitar. E não trás o jornal - leva. E não põe insecticida – baygona. E não tem reuniões – tem meetings. E no computador ele não escreve – taipa. E depois não faz impressão – printa. E não trabalha as fotografias em Photoshop – fotoshopa. E para fazer um intervalo não vê o patrão – tcheka o boisse. E não sai para dar uma volta – dá um djiko. E não escreve sms para a amiga colorida – manda mensagem para a pita. E não mente dizendo que está ocupado – mafia que tá bizi.
Moçambicano não trai – cornea. Não caminha – estila. Não se faz de difícil – jinga. Não acaba uma tarefa – ultima. E no fim do trabalho não vai – baza. E com os amigos não tem negócios – tem bizne com bro. E ao fim do dia não vai ao ginásio – djima. E não tem bicicleta – tem bikla. E não está musculoso – tá big. E não faz saudação batendo na mão do amigo – deketa. E não gosta de aproveitar a vida – enjoya laifa.De tarde não bebe chá e come pão com manteiga e queijos – toma chá. E não vai buscar a namorada que está num cabeleireiro distante, a arranjar as unhas e a fazer tranças no cabelo – vai apanhar dama que faz unha e entrança láaaaaaa no salão. E não bebem um refrigerante – tomam refresco. E a namorada não usa mini-saia e saltos altos e anda descapotável – põe sainha e uns saltos e tá descartável. E não lhe diz que é bonita – diz “tens boas

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Moluene não é pessoa?



São duas da manhã e eu estou a voltar para casa.
Na Av. Karl Marx, lá em baixo, alguns rapazes batem num homem que está deitado no chão. Eu abrando instintivamente o carro mas depois penso segunda vez, e sigo…
Sigo mecanicamente, no semáforo vermelho paro, quando muda o sinal avanço, observo à esquerda e à direita, carrego com o pé no acelerador, volto o volante, sigo para casa – o celular toca, eu atendo por automatismo mas nem sei o que me dizem do outro lado, respondo em “hum”, e “hã”, e “sim” e “não sei bem”, e “ok”… Desligo. Estaciono o carro e quando fecho a porta vejo no vidro o meu reflexo, a minha expressão, olho-me nos olhos. E tenho vergonha. Entro no prédio, saúdo o guarda, subo as escadas devagar… avanço pelo corredor, abro a grade, abro a porta, entro em casa, acendo uma vela, fico a olhar a chama viva. Tenho vergonha, desde quando sou assim, cobarde? A cena que vi incomoda-me, não penso em nada.
No dia seguinte passo para ir para o serviço, a rua está cheia de gente, há carros, tchovas e chapas, muitas pessoas atravessam a rua, juntam-se nas bancas de fruta, ao pé dos vendedores de roupa das calamidades…
E no chão… está o corpo do homem. Está lá. Deitado. No chão.
Os chapas desaparecem em fumos de tubo de escape, os tchovas carregados de bananas passam, as mamanas com os baldes de fruta passam, os vendedores de Giro, as crianças com os uniformes, dois homens de fato e gravata. Ele está lá, deitado no chão. Ninguém o olha. Ninguém vê?
Volto a ficar parada nesta imagem mas não faço nada, não sei o que fazer.
Regresso do serviço. Estou parada no semáforo na 25 de Setembro, deitado no chão, na faixa divisória, está o corpo de um rapaz, uma titia está mesmo ao lado dele, à espera que o sinal mude para verde, eu também espero. O corpo está ali, deitado, inanimado, talvez morto.
Do outro lado da estrada, mais à frente, outro corpo.
De novo sigo, de novo chocada comigo mesma, o que é que me permite que passe assim, que siga caminho?
Como nos permitimos seguir? Todos nós, em todos os lugares da cidade, do país, do mundo, como podemos pensar que não há nada que possamos fazer, que não adianta pedir ajuda ou tentar ajudar, que é problema que não temos de ser nós a resolver?? Como podemos?
É uma pessoa que está ali deitada. Uma pessoa. Ainda saberemos o que é?
Porque não faço nada? Será que penso que é diferente de mim porque a roupa que veste está mais suja, porque não cheira bem, porque não tomou o mesmo banho do que eu, porque não tem casa, porque está doente? Por isso é diferente?
E nestas características que pode ter, em qual delas é que deixa de ser pessoa? Quando é que deixa de sentir, de ter batidas de coração, medos, desejos, dores, sonos, sorrisos?
É uma pessoa. Ou não é?

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Da espera


São 4h20 da madrugada e eu estou fechada nas escadas de um prédio. Não tenho chave para voltar a entrar na casa que não me pertence, não tenho chave para abrir o portão da rua para sair para a liberdade (que me pertence). Não sabia… só agora quando cheguei lá abaixo vi o portão da rua fechado, o arame farpado por cima do muro, como podia eu adivinhar? Como podia adivinhar que a chave do portão, essa, fechei eu lá dentro da flat no momento em que bati a porta…
Que fazer? Lá dentro dormem dois homens. E a julgar pelos telefonemas que faço, pelos murros na porta que dou - de sono pesado. Mesmo muito pesado.
E agora, eu que leio os sinais, qual é a leitura deste?
A vida é uma coisa complicada.
Já se ouviu a chamada para a primeira oração do dia na mesquita mais próxima. Será esta a mensagem, será para mim o caminho do islão?
A cidade começa a acordar, e embora esteja numa avenida das mais movimentadas os pássaros são os primeiros a dar sinais do nascer do dia. Oiço um ou outro carro, alguns na velocidade própria da noite passada em claro, outros no passo lento da preguiça matinal.
Eu, sentada nas escadas, à porta desta casa que visito pela primeira vez, escrevo. Tenho mais 58minutos de bateria do computador e imagino que mais duas horas de espera…
Espero.
A espera é dos poucos momentos da vida quotidiana em que o privilégio de não ter nada para fazer acontece, mas em geral não temos a capacidade para usufruir dele assim, sem culpa, com prazer. Quantas vezes nos queixamos que nem temos tempo para respirar? Nos nossos dias sem pausa para tomar chá, nas semanas sem tempo para tchilar, nos meses sem Costa do Sol, Bilene ou Ponta do Ouro, nos anos sem viajar… quantas vezes desejamos apenas isto: estar sem fazer nada?
Eu, a privilegiada, espero.
Ai, como é que me meti nisto? Há dias em que o meu instinto fica assim, avariado, e nestes dias devia fazer apenas uma coisa, ficar em casa.
Inquietam-nos as esperas não é? E eu, que não tenho mais nada para fazer, penso sobre isso. Porquê?
Verifico que de cinco em cinco minutos olho para o relógio, às vezes menos. Tento distrair-me, esquecer o facto de estar presa aqui, mas dura pouco tempo, na maior parte do tempo o sentimento de contrariedade e insatisfação é o que prevalece. Contrariando todas as leis do carpe-diem, do valor do momento, da meditação e do abandono dos preconceitos da consciência e da entrega total à qualidade do sentir - penso em duas coisas, no antes: o que podia ter feito para não estar nesta situação; e no depois: o que faço para sair dela. Estratégias, tentativas, planos “quando sair daqui vou…”
Na rua começam a ouvir-se pessoas, conversas, vassouras. E lá dentro, porque não acordam eles? Amanhã vou estar impossível no djob, não vou dormir nada. Porque é que não acordei alguém antes de sair? O que é que eu estou aqui a fazer? Meto-me em cada uma! Ao menos aproveita o tempo, escreve – falo sozinha, os mosquitos incomodam-me, escrevo.
Começo a pensar na quantidade de líquidos que cada um de nós bebeu, nalgum momento terão vontade de ir ao banheiro, não? E penso nos compromissos, ambos falaram em acordar cedo mas o celular com o despertador está na sala, e com as minhas chamadas já tocou muitas vezes, e sem ninguém atender, acordar, sem um som ou um movimento de resposta. Continuo a telefonar mas o celular está na minha perna, já nem o levo ao ouvido. Deixo de ouvir o toque do telefone e oiço uma voz ensonada: estou?
Ei, atenderam!! Atenderam o telefone, estou free!