domingo, 27 de dezembro de 2009

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Mas mulher gosta


Na esplanada está sentado um casal, passa um moço, ela acompanha-o com o olhar:
- Você, estás a olhar o quê?
- Hei, estou só a apreciar, tu não usas a apreciar também?
- Nada, mulher não pode. Logo que aprecia quer, basta ver na montra que logo vai comprar.
Nas mensagens dos palcos de teatro, nas letras das músicas, no papo nos cafés, a mensagem mais comum é de que a mulher aceita tudo, submete-se sempre, deve perdoar, deve calar.
As mulheres resignam-se. Não se resignam a ser inferiores, é engano dos homens, resignam-se a fingir que aceitam que são inferiores, que o homem é mais sabedor, mais esclarecido, mais poderoso, mais inteligente, digno de maior respeito. Que é ele quem controla as finanças, o que toma as decisões. Quem tem direito às amantes e aos amigos, às más disposições, aos caprichos, aos gritos e ao descontrole de uma ou outra chapada de vez em quando, aos desejos, às exigências. Ele é o boss. E elas as submissas, dedicadas aos trabalhos da casa – para conforto do homem, e às crianças - para o sangue da descendência.
Comentam comigo as amigas moçambicanas:
- Eu estava para sair e ele me viu com esses shorts… tive de ir mudar. – no meu rosto deve haver espanto por que ela continua – É verdade, contigo não é assim? Ah, é porque és white! Eu, namorado? Se chego para lhe buscar com o lips com menos brilho logo me pergunta: estavas aonde, que não vens de casa?
Comenta comigo o Alfeu
- Eu sou moçambicano, e ainda sou jovem, mas sou tradicional, por exemplo eu acho que, como fez o meu pai, os meus tios, e os meus avós antes deles, o homem deve ter pelo menos três mulheres.
E leio nos livros, nas análises antropológicas, no Corão… o homem pode, deve, tem a opção de ter mais do que uma mulher. Mas se não consegue tratar as várias mulheres de forma igual, em afectos e valores materiais, então deve manter apenas as que consegue tratar com justiça, três, duas ou apenas uma. E acrescentaria eu que se conceda aos homens com incapacidade de amar, de cuidar, de respeitar que tenham a quantidade correspondente - nenhuma!
No norte de África, sentada numa esplanada, está comigo um namorado e um casal muçulmano. Ele, o homem do casal, é guia turístico, fala línguas, conhece os hábitos do ocidente, fala descontraidamente, olha-me, dirige-me a palavra, brinca com o facto de o meu corpo ser na perspectiva dele pouco… africano.
Eu não viajo para julgar, viajo para sentir, para durante algum tempo experimentar os valores e as prioridades de uma cultura que não é aquela onde eu nasci. Consciente que o que me afasta destas pessoas é apenas isso, o contexto. Os valores de bom e mau, positivo e negativo não são universais, aliás, sabemos logo que nos afastamos o suficiente da nossa rua que nada é universal…
A esposa dele, muçulmana, de véu na cabeça, não conversa, olha para baixo e sorri timidamente. O homem conversa animadamente, a determinado momento passa um grupo de mulheres, Hamad olha o grupo, sorri por um momento e diz para o meu companheiro,
- Sabes, tenho de me casar outra vez. - eu não reajo logo, mas é apenas porque fui apanhada de surpresa, confesso que me preparo para abrir a boca e gritar a minha indignação e despejar todos os meus valores, ideias (algumas apriorísticas) e sentimentos reais sobre a atitude dele. Mas como disse não viajo para julgar e mais um segundo é o suficiente para pensar para mim “open your mind. Aqui, é normal”. Mantenho-me em silêncio, respeitosamente. Olho Rassul, a esposa, e os olhos dela continuam baixos, mas mais brilhantes agora, de lágrimas.
Estou com colegas numa festa, servem o almoço buffet e as mulheres da mesa levantam-se para servir os homens. Eu sorrio, apenas, e eles provocam:
- Joana, tu que já estás aqui há algum tempo, tens de começar a seguir as tradições… vem comida e ficas sentada? Não fica bem! Tens de nos servir! – bom, eu respeito as tradições e na minha curiosidade pelos usos e costumes consigo até conter-me, não comentar, respeitar em silêncio, mas se me provocam, aí sigo. E sigo! Em discurso sobre a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres. De imediato os homens na mesa quase se levantam e com ênfase replicam:
- Mas elas gostam de servir o marido!! Nem somos nós, elas é que gostam! – repito que o confronto não é minha intenção, mas já não resisto:
- Ai é? Gostam? Mas nesta mesa há três mulheres e foram os homens que se levantaram para dizer isso!! – elas sorriem e dizem baixinho
- Thanks Joana. – e a mim apetece gritar:
- DE NADA, MANAS!

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Em Moçambicano II


Sai de casa e Moçambicano não pergunta se está tudo bem, diz aqui tudo bem não sei do seu lado. Não responde tudo bem, diz tudo bem, nada mal.
Moçambicano não conduz – dirige. Não tem TIR – tem camião cavalo. Não usa t-shirt – usa camisete.
Não sai – baza. Não vai para – baza a. Não vai ao – vai no. Não agarra – pega. Não conhece cana-de-açucar – mas cana doce. Não usa saco de plástico – tem plástico. Não tem um amigo há muito tempo – se conhecem dos times. Não tem namorada nova – anda a agarrar agora. Não usa colete – usa pulôver. Não tem telemóvel – tem celular. Não vai ao multibanco – vai no ATM. Não faz poupança – tem estique. Não demora uma hora – demora uma hora de tempo.
Moçambicano não diz sim – diz ya. Não confirma – levanta o sobrolho. Não diz ainda não – diz ainda. Não pergunta se já está – pergunta “já?”
E para jantar a mãe não mói amendoim – vovó pila. E em casa não tem um irmão mais novo que é drogado – tem um puto ket. E o pai não está a ver televisão – assiste tv. E não fica zangado porque o filho fuma – o velho zanga que ele smoka. E o irmão mais novo não cria complicações – tá a confusionar. E amigo não liga a alterar planos e ele fica sem saber o que fazer – mano matrecou, malta fica desprogramado.
Moçambicano não está sem dinheiro – tásse mal. Não vai para a marginal com os amigos – vai apanhar brisa. E não vai à praia – vai refrescar. Não faz exercício – exercita. E não namora – apanha esquina. E quando faz amor não falha – desconsegue de apanhar tuza.
E no fim-de-semana não sai da cidade – no final de semana viaja. E à tarde não tem um compromisso com portugueses – tem um social com uns tugas. E lá não faz pouco do amigo branco – manga do white. E não mima a amiga – baba a siss. E ela não tem batom brilhante nos lábios – pôs lips. E eles não lhe dizem que lhe que fica bem – rendem.
E à noite não vai à festa – vai à batida. Não vai à casa de banho – vai no banheiro. E não se arranja – tchuna-se. E no caminho não vai em excesso de velocidade – spida. E nas curvas não vira – guina. E a discoteca não está má – disco ta off. E não pedem dinheiro para a entrada – para entrar precisa taco. E não vai curtir – vai tchilar. E não dança – faz seus passos. E não provoca, ameaça e se envolve numa briga – agita, tchuça e faita. E não se engana – tchacha. Não bebe gin – bebe djin. E não tem feitiço – tem wasso wasso. E não está a ir – está a vir. E a meio da noite não ta bêbado – ta jazz. E no final da noite não vomita – manda Gregório. E não foge – dá gás. E namorada não envia um “por favor liga-me” – dama faz pleasecallme. E ao telemóvel não diz que vem – fala no celular “hei-de vir!” E não fica acordado a noite toda – amanhece lá.
Dia seguinte moçambicano não está de ressaca – tá de babalazi. E não falta ao trabalho – gazeta. E não telefona a avisar que não se sente bem ou que morreu alguém na família – fala “tou incomodado” e “tive infelicidade”.