quinta-feira, 28 de outubro de 2010

De onde és?


Regressei.
Sim, tinha saudade.
Saudade do bafo quente que senti logo que saí do avião; saudade do cabelo encaracolar com a humidade; saudade de uma Laurentina preta estupidamente gelada; saudade do calor insubstituível de dançar uma passada, saudade de dormir na esteira... home is were the heart is and I AM.
Viajei. Viajo sempre.
E não regresso igual. Nunca regressamos, não é?
Regresso cheia da luz branca de Lisboa e de bolhas nos pés das noites em pé do Bairro Alto.
Regresso cheia das perguntas “de onde és?”
Passeio pelos bairros mais castiços de Lisboa de mala na mão. Sou nómada, gosto de ser.
Combino com os amigos e conhecidos, reais e virtuais – quem sabe distinguir isso!? - jantares de convívio improváveis. Sou visita, gosto de ser.
E encontro os meus caminhos, cruzam-se no mapa, como se a globalização fosse isto. Isto de nos identificarmos aqui e ali, e em todo o lado levar palavras, trazer gestos, ser cidadão do mundo é isso afinal? Sentir maputo e Lisboa em tão grande… maningue connection!
Alongo-me ao sol nas esplanadas para o Tejo. Cidade bonita esta.
Em Lisboa by night:
- Where are you from?
- Mozambique.
- Come here, come here, take us a picture, African queen! - Mais tarte - Are you coming on Friday? I want to thank you for sharing with me your time and talent...I had such a great time...Most importantly, I enjoyed talking with you. Let´s dance the night away.
- We didn't talk.
- Yeah baby, let's get married and have two.
- Two?
- Yes, children need a partner.
E horas depois em Maputo:

- The hottest blonde I have ever seen! You know living is about expressing yourself and tomorrow what i feel will be over so i want to say it now! Carlos, very nice to meet you!

- Hello, Joana.

- Espera lá, Portuguesa!!!!!!!!!?

- Ahahahaha! Sim! Não… não sei! But nice English papo!
Online:
- Are you still in Lisboa? I had such a great time meeting with you... I was looking for you in Bairro Alto.
Papo em Lisboa está igual ao papo em maputo e se não é isto o aquecimento global então não sei o que é!
Lx by night:
- Estás com cara daquilo q me apetece.
No restaurante:

- Sabes, eu acho que animal selvagem é para domar.
- Nada, eu não sou machista.
- Podemos dividir a conta.
- Sim, eu vivi no Brasil, sei que vocês gostam de dividir as contas, aqui os homens têm a mania de pagar tudo armados em machos, não é? Eu não sou assim. Mas na cama mando eu. E sei que tu gostas!
Há uma saudade. Mas já nem sei de onde vem. O lugar mistura-se e encontramos a nossa tribo onde menos se espera. I am happy hoje. assim mesmo, misturando na frase as línguas e os feelings!
Regresso cheia das perguntas “de onde és?”
Eu isso já não sei, aceito que daqui, por muito xikwembo e xima que receba nunca serei. Lá sou a imigrante que chega com contacto do estrangeiro, sotaque e estórias estranhas para contar.
Não sou de lá. Nem cá nem lá, inbetween places, that is the secret.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Em todo o lado


No papo:
- Eu não sei cozinhar.
- O quê? Não sabes cozinhar? – ele está chocado, parece reflectir sobre o assunto, olha para o celular, olha para mim, pensa uns momentos e:
- Bom, mas podes aprender não é? A minha mãe pode te ensinar.
Em casa:
Eu não sei cozinhar. Mas sei misturar. Estou em casa e lavo umas coisas que depois misturo numa grande tigela, tempero, está feito! Ele chega, partilhamos a salada.
- Hummmmmm! Estava muito bom. Como anima chegar a casa e a namorada ter cozinhado para nós!
Na night com brada:
- Sim, tu és assim! Tuga, emancipada e feminista! Mania da independência vocês! Tu aceita moçambicano! Se não aceitas ir p cozinha não estás a aceitar africano por completo.
- Para cozinhar há empregada!
- Aaaaaaaaaaaaaaaaaah! Nada! Eu pelo menos final de semana não como comida de empregada!
No papo no bar:
- Sabes, eu sempre quis te conhecer.
- Ah é?
- Ya, tás com teus amigos, né?
- Ya.
- Ei, afinal são voçes? Mano como é tdo nice? ya.... ya.... Joana, falamos depois... xau.

Na disco:
- Joana, como é que tu demoras uma hora de tempo para ir no quarto de banho?
- Ei, voçe! Estás-me a controlar?
- Ah achas q estou? Então já agora quem é esse americano com quem falaste?
Conversa com brada moçambicano:
- Sim, eu conheço tugas! Eu vivi com uma portuguesa durante três meses e separámo-nos por causa da maionese!

- Da maionese?

- Minha vida com a portuguesa acabou assim! Ei, eu gosto de maionese! Ela pôs a mesa, e eu gosto de maionese nas minhas chips. Não tinha. Eu disse “Amor, tu sabes q eu gosto de maionese. Tu sabes. Porque não compraste, afinal?”

- Bem, esta estória da maionese! Desculpa m’lá!

- Não, mas tu não o conheces, ele gosta mesmo de maionese. Eu lhe conheço há maningue e sempre ele come chips e tem o frasco da maionese aqui mesmo ao lado.

- What? Mas a questão não é se ele gosta ou não! Se gosta pode comprar!!

Na night seguinte:

- Então, tua dama?

- Minha dama tá em casa, mas eu falei que vou sair só por uma hora.

- Mas já estamos aqui há 3horas.

- Sim, mas eu daqui a nada vou começar a preparar-me para quando chegar a casa ela me perdoar por eu ter demorado mais horas do que eu disse.

- Vais fazer mata-bicho e lavar na cama?
- Ei, eu não entro na cozinha!
Ao telefone com a brada sul-africana:
- Vamos ver um show hoje?
- You know… we can go, but my husband does not like me to go out…
- What? Mas e tu, gostas?
No concerto com a brada portuguesa:
- Sabes, eu já vou embora.
- Já? Mas amanhã é sábado!
- Sim, mas o meu marido já está a mandar mensagens.
- E então?
- Sim, está a pressionar-me, ele não está a gostar que eu esteja aqui.
- Mas e então? Tu estás a gostar?
- Sim, mas sabes, é melhor ir, eu vou mesmo para falar com ele, ele não me faz mais estas coisas.
Na rua com dama moçambicana:
- Aquilo que estamos a viver lá em casa ninguém há-de saber, cozinhar para ti? Eu posso. Lavar? Não tem problema. Mas agora, tua vida é tua vida, fazes o que tu quiseres. Saímos de manhã, até apanhamos mesmo chapa, mas saímos paragens diferentes, entendes né? Cada um na sua rota a partir d’agora.

Entendo o statement da mana, mas sabendo o que sei hoje na verdade acho que o que ela dá é tudo – cozinha e lava. Duvido que o damo se preocupe com a rota do chapa.
Entendo a estória da maionese, mas sabendo o que sei hoje o que me espanta é que tenha sido esta a razão do rompimento.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Moçambicano, prova de água


Hoje está calor. Acabou o Inverno aqui.
E se chamamos inverno ao vento Suão, abafado, que me despenteia os cabelos e me descontrai os músculos, então eu gosto do inverno.
Aprendi há muito sobre a relatividade das coisas, aprendi as bases, e aqui, todos os dias recebo e as lições que aprofundam esse sentir.
As emoções e as temperaturas. Para mim estão ligadas, e a memória do corpo está aí, entre as imagens, os sabores e os cheiros.
Para mim era assim. Natal é frio, geadas, neves, lareira acesa. Carnaval é chuva, máscaras vestidas por cima das camisolas quentes, por debaixo dos casacos. Tristeza é chuva e frio, e dias na cama debaixo dos cobertores. Mãe é chá de cidreira quente e avó café de saco feito à lareira. Teatro é corrente de ar. Escola são choques térmicos. Amizade feminina é primavera, saladas e sobremesas doces. Amor tem a cor das flores de Maio. Sexo é tarde de calor, cheiro a maresia. Coração partido é chocolate quente e liberdade é… África.
Em África tudo muda. Eu mudei. E já vou sabendo porquê, os meus guias estão aqui.
Só agora sei a que cheiro e qual é esta temperatura. A temperatura da liberdade.
Combinamos encontro, temos compromisso, há estreia, é hora de inauguração, dia de cerimónia, última hora para assinar contrato, entrevista de emprego, boys night out… não importa, não importa o plano. Chove – está cancelado. E para o moçambicano não é preciso maior argumento do que esse. Estamos à espera do Fred e mesmo antes de se pensar em ligar para ele sabendo das suas razões para este atraso já avançamos:
- Sim, está a chover. Nem deve vir, ele.
- Mas para mim também chove e estou aqui.
- Sim… mas trânsito? Ysh! Não dá. Eu entendo, ele… ei, joana tu sabes, com chuva não dá.
- Mas somos iguais, se para nós deu…
- Nada nós é diferente, eu pelo menos quando estava a sair de casa não chovia. Hehe, com essa chuva eu nem tinha saído de casa! Nada. Chuva não é bom.
Moçambicano não gosta de chuva.
Eu também não.
Já adiei divórcios e recusei noivados, porquê? Porque chovia.
Quando chove as distâncias parecem maiores, a estrada mais suja, o trânsito mais lento, e em dias de chuva moçambicano não djoba, gazeta.
Hoje está sol, está calor e moçambicano… reclama que com essa temperatura não se pode trabalhar!