sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Envelhecer casa II


Casa 2 não tem tempo, tem espera.
Casa 2 não chega e cumprimenta, na rua encontram-se? Ela disfarça.
Casa 2 não aparece, pergunta se pode vir.
Casa 2 não liga, manda sms.
Não manda sms quando quer, tem horário.
Não vai a festas, vai a programas.
Não se veste, despe.
Não sabe, imagina.
Não é informada, é enganada.
Não é exclusiva, é emprestada.
Não sonha, viaaaaaaaaaaaaaaja.
Não discute, confusiona.
Não tem opinião, tem mania.
Não planeia, é planeada.
Casa 2 não passeia, vai a gones.
Casa 2 é full time djob com salário de part time.
Casa 2 não almoça junto, é sobremesa.
Casa 2 não fala, escuta.
Casa 2 não manda, obedece.
Casa 2 não sabe, desconhece.
Casa 2 não conhece os amigos, conhece os manos.
Casa 2 não conhece a família, é conhecida…
Casa 2 não tem marido, tem marido de dona.
Não engravida, dá o golpe.
Não ama, sofre.
Não tem cunhada nem sogra, tem metade de homem.
Casa 2 não vê, é cega.
Casa 2 não fala, grita.
Casa 2 está sempre ocupada, amiga convida:
- Queres sair hoje?
- Não sei ainda… falamos. - e às vezes ganha coragem:
- Ok combinamos jantar! - mas aí depois liga o damo e como ele tá livre, tem 30 minutos disponíveis, joga às 20h, tem reunião de manhã, viaja na próxima semana, quer uma noite… ou um beijo… casa 2 tá livre… sempre.
Se casa 2 se cansa e resolve sair, claro que sai, pode. Mas sai sozinha, ou com a amiga que sabe ficar, calar, disfarçar, porque a qualquer momento da noite ele vai ligar:
- Tás aonde?
- Tou aqui com minhas amigas.
- Eu tou free.
- Ok… eu tou aki e…
- É para eu fazer o quê? Eu estou AQUI.
- … Ah… não queres vir?
- Nada, vem cá tu... gostosa. Anda, tou à esperaaaaa.
E ela sorri, comprometida.
Sorri porque é carinho o chamado do homem. Porque hoje se sente importante, damo está a chamá-la. Sim, porque assim não soa a um convite, soa a uma ordem mas… ela sabe… e no fundo, bem no fundo ser mandada assim é tão… excitante.
Durante dias damo tá busy, não liga, não responde, não convida.
A saudade aumenta, sim, porque casa 2 ama, sonha em ser casa 1, bem sabemos.
Hoje ele liga, e pode ligar a qualquer hora, o tempo é dele. Ela atende, e escuta, fala pouco, mas decide logo porque… não sabe quando damo estará assim free de novo para ela. Despede-se das amigas:
- Mas não íamos ao Lounge hoje, afinal? Aaaaaaaaaaah já vais?
- Talvez venha lá, vou convidar e… talvez…
Mas ela sabe que não. Que de lá de onde ele está eles não vão para o Lounge, para o Coconuts ou para o Dolce Vita, dali vão para um quarto de hotel dos mais baratos ou para um gone no banco de trás de um carro. Sabe que não vai encontrá-lo nos bares fashion da noite, nem vai sorrir aos amigos ou passear de mão dada, não vai dançar uma passada nem receber um beijo na boca na chegada. Vai sentar, vai beber, vai seguir o seu homem quando a tesão falar mais alto. Por isso ela vai. Segue-o.
E casa 2 já nem sabe como isto começou, não lembra se sabia que este homem não estava livre e sonhava em tê-lo para si, acreditando nas promessas e nas queixas de casa 1 falhada; ou se não sabia… se começou a ver nos tempos e nas ausências que não era a única…
Casa 2 não tem vida, casa 2 é envelhecida.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Envelhecer casa


- Casa 2 tem de saber seu lugar! Comportar-se pah! Agora, comigo – paragem brusca para reformulação - Quer dizer, quando eu faziaaaa essas coisas, se casa 2 vem aqui e me vê com minha mulher, que ela pode nem saber se é minha mulher ou não! e fica a fazer gracinha, a mandar sms e não sei mais quê! Pah, não dá! É para chegar e ficar dis-cre-ta! Sem palavra, olhar só. Ou nem olhar! Nem mostra que me conhece!
- Porque casa 2 que sabe se comportar normalmente passa a casa 1.
Sim, porque casa 2 não é primeira, é segunda.
Casa 2 não está feliz, casa 2 tem plano. Casa dois quer subir.
E para que este interesse se mantenha o seu homem faz surpresas, carinhos, mimos mesmo, deste género:
- Onde é que estás que eu passo aí?
Tipo, passo aí onde estás, eu vou e não me comprometo, porque tu estás aí, não combinei contigo, e passo, eu estou de passagem, por isso não sou bem eu, não me vou expor nem desenvolver muito o que quero dizer, ou fazer. E não vou sozinho, não! Damo vai com brada, chega em grande estilo, e antes de se dirigir sequer a casa 2 ele dá um giro no espaço, mede os adversários, o ambiente, e aí sim, dá o beijinho que não compromete, aperta a mão de quem não conhece e talvez até sente um pouco, talvez… mas tá busy, não vai ficar, vai bazar. Ou fazer para ela o olhar de “vamos?” e não importa se ela está com amigas ou amigos, família ou patrões, ela vai. Se não já, mais logo, mas ela vai.
Ser casa 2 é isso, ficar em standby dias inteiros, e receber em doses homeopáticas as frases:
- Estou na tua zona.
- Anda.
- Sobe.
- Desce.
- Vem me apanhar.
Mas não te zangues já com este homem, nem penses que é cruel, porque não foi ele! Ele não ligou e disse “não saias de casa! se sais dou-te porrada!” Não, ele não mandou.. ele… pediu.
Ele manda mensagem:
- Estou ao lado da tua casa – e casa 2 se está corre à janela, toma banho, penteia o cabelo.
Mas entre esta e a segunda mensagem podem passar minutos… ou horas…
Ela não insiste, porque casa 2 não pede, casa 2 recebe.
Casa 2 não romantiza, disponibiliza.
Casa 2 não comenta, casa 2 senta.
Casa 2 não confronta, leva afronta.
Casa 2 não exige, agradece.
Agradece que no coração e na agenda deste homem haja um lugar para ela.
E na segunda mensagem pode vir uma provocação, uma promessa, uma insinuação.
E casa 2 vibra! E se não está em casa começa a pensar em regressar, fica nervosa no djob, encurta as compras ou termina o chá com as amigas, no ginásio desliga a máquina e já nem vai à piscina.
Para apaixonada este pode ser o momento alto da semana e ela corre para ele.
E em casa compõe a mesa, aumenta cerveja na geleira e talvez acenda mesmo uma vela.
E depois de 30 minutos, talvez 40 vem outra mensagem:
- Ysh, esse djob! Tou busy. Mas tou na tua zona, gostava de te ver.
E a desilusão da primeira parte da frase é largamente ultrapassada pela promessa da segunda. E casa 2 senta, e espera… durante toda a tarde o seu homem vai mantendo viva a chama, em promessas e sugestões, ela espera. Ele viaja amanhã talvez… espera.
E enquanto espera a generosidade de um minuto do seu homem, enquanto cancela jantares e não combina saídas, adia férias e lamenta fins-de-semana casa 2 fica assim, e envelhece.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Da confiança


No primeiro encontro ele chega com confiança. Olhos nos olhos, quase mão na mão:
- Sabes, nós os dois, eu e tu, ligamos. Não tens maneira de fugir, nós ligamos.
E depois com confiança o moçambicano organiza, convida, elogia, apresenta, baba...
Com os bradas falam sobre as relações e as excepções, sobre os ciúmes e os cortejamentos:
- Estás a dizer que ela não é ciumenta? Ela não é ciumenta porque está a concorrer para as eleições! Quando ganhar? Vai mudar, vais ver!
- Ya! Mulheres mudam quando casam! Aquela que tá lá em casa, quando éramos namorados – baixa um pouco o tom de voz e soletra - a-do-ra-va sexo anal, agora que casou dói!
- Ya, depois diz que italiano é que é romântico!
- Joana, diz lá, é verdade isso?
- Nada, Joana gosta é de moçambicano, eu sei.
- Nós sabemos.
– Estás a rir, fala lá! Só ri ela.
- Ah, vamos ler no xikwembo isso aqui!
- Fala, moçambicano é bom para cama né? Mas festinhas e beijinhos é italianos é isso? Fala pa…
- Mas sabes, isso é porque estás traumatizada com moçambicanos! Eu sou diferente. Eu não faço as coisas assim, não é verdade! Comigo vais apaixonar tu.
- Tas m’ameaçar?
- Nada, não preciso.
- Problema são rótulos! Sabes disso né?
- Ya! Porque mulher e homem, é culpa dos dois, quando namora ou quando casa, enfim, quando chega compromisso, as pessoas mudam!
- Ya, logo reclamam: “porque não fazes isso, sou tua namorada eu!”. E dizem “mas eu vivo contigo, é diferente!”
- Sim, é diferente, agora já não a vês quando queres ou porque queres, vês porque vive lá em casa, só!
- Sim, e cobram! Amor não se cobra! “Porque não me mandaste mensagem hoje?” e “como passas todo um dia sem me ligar?” E “não tiveste saudades minhas”… hiiiiii”!
- Complicam muito.
- Joana, amor.
- ?! O quê!?
- Sabes que eu gosto de te chamar de amor… não posso? Então vamos ver, nós aqui somos o quê? Eu e tu.
- Ui, tá a querer catalogar, não cataloga isso! Aí estragou!
- Nada, não é isso, é para sabermos que é!
- Ei, casamento é essa ideia, é falta de confiança casar, isso não é nice.
- Joana, tu sempre foste assim?
- Assim como?
- Confusa. Vocês pequeninas sempre são assim, mania que são duras! Amam mas são tuff não dizem! Tu tás a gostar de mim, mas não admites, armada em forte não dizes nada, mas vais cair, tu que me vais pedir em casamento tu!
- Mas então não dizias que os rótulos é que é mau?
- Joana tu tens de aprender uma coisa, gostas de ser selvagem né? Não me estás a confiar. Mas aprende que cada bom cavalo tem um bom jockey…

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Conheces?


Chatamos no facebook, trocamos sms, falamos mesmo no bar. Mas moçambicano não se conhece assim.
Jantamos na mesma mesa uma vez, no trabalho cruzamo-nos no corredor. Frequentamos os mesmos sítios e temos amigos comuns, mas moçambicano não se conhece assim.
Leio os livros e os jornais, oiço as músicas na rádio e vejo os shows nas praças. Mas não, moçambicano não se conhece assim.
Moçambicano conhece-se no toque insinuante dos dedos, na elasticidade macia da pele do peito, na cor limpa e brilhante das coxas.
Moçambicano conhece-se nos lábios grandes de beijos, nas mãos cheias de bunda, no sorriso branco de dentes, no tom grave do riso solto.
No papo… ah, moçambicano tem papo!
Não faz pergunta e foge a respostas. Mas diz, fala, elogia, insinua e não insinua no duplo sentido da língua portuguesa - que como todos sabemos é traiçoeira - não, não é nos sentidos dúbios das palavras que o moçambicano se alonga, é o triplo acento de um olhar que transforma um simples “bom dia” na excitante forma da quase obscenidade. Elogiosa, sempre. És quente tu, seja quem fores. E sentes isso num piscar de olho cúmplice, num afirmativo levantar de sobrolho. Acção que confirma, que convida, que dá.
Moçambicano conhece-se na investida pélvica de uma passada. Na frescura espessa e doce de uma Laurentina. Num gole de cerveja preta, claro.
Moçambicano conhece-se na dormência grossa que o piri-piri sacana deixa na língua. No som batido dos tambores, sim, no desafino da timbila.
É verão. Chove. E o moçambicano conhece-se no pingar grosso que aparece de surpresa, no sol forte que vem sem aviso. Na frescura do vento que despenteia cabelos e descobre pernas. No som do agitar das folhas dos coqueiros. No bafo quente do vento suão que de noite nos surpreende nuas.
Moçambicano conhece-se no “não” sempre ausente. No eterno concordar.
Moçambicano conhece-se no improviso, no desconseguir sorridente de cada tentativa. Moçambicano conhece-se na porta aberta da hospitalidade, no olhar directo do estudo. Moçambicano estuda, sim, olha para fora. Observa-te sempre, e o caminho que faz tem base no que vê, no que mostras.
Ah! e para moçambicano mostras, mostras sempre, é desarmante a generosidade do que aprecia, é cativante.
- Estás bonita hoje, sapatos vão bem com teus cabelos.
- ? Ah! Ah! Ah! - Moçambicano conhece-se na prontidão do papo, na doçura sempre dependurado nos lábios generosos, no desejo em reflexo nos brilhos molhados dos olhos, no esboçar constante de um sorriso nas faces.
Moçambicano conhece-se na água do coco, morna e suave como saliva.
Moçambicano conhece-se na doçura e maciez de uma manga madura. Na dureza aparente de uma massala, na acidez doce de um maracujá.
No corpo.
- Aquele rapaz que parece uma estátua era teu namorado?
Moçambicano conhece-se no desenho sinuoso dos braços, no redondo perfeito da nuca, na testa brilhante, no nariz redondo, nos lábios cheios. No peito desenhado, nas costas fortes de músculos curtos e duros, nas pernas atléticas…
Sim, Moçambicano conhece-se no prazer, é aí que se conhece.