sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Da posse




As coisas não são nossas, são-nos apenas emprestadas por um período limitado de tempo.
Todos o sabemos, não existe pertença, nem de pessoas, objectos, animais ou sentimentos. Nada é meu, é quando muito nosso, de todos.
Eu sei disto, tudo pode partir. Daqui a um minuto.
Quando comprei o meu carro brincava, estacionava-o e quando voltava dizia sempre: “o carro ainda está ali, o que é bom sinal.” Mas a brincadeira, como acontece sempre, tem um fundo de verdade, é como se ainda não acreditasse que o carro é meu.
Sei que basta um gesto, um desequilíbrio milimétrico nas chuvas, nos ventos, no interior da terra – para tudo mudar.
Mas hoje, por um momento, tive medo! E as filosofias ficaram de parte.
Ainda é muito cedo e eu estou em casa, é coisa rara, mas hoje decidi trabalhar em casa, e aqui está a prova de que o trabalho não compensa e o crime…
Alguém bate à porta, não é muito comum e por isso eu não abro. Pergunto, como me ensinou a fazer a minha mãe:
- Quem é? - ninguém responde. Pelo vidro martelado consigo ver que é um homem alto, de blusão de pele,
- Quem é? - depois de mais um tempo responde:
- É o guarda. - o guarda do prédio é baixo e já com uma certa idade, este rapaz é alto e jovem, entreabro a porta,
- Senhora vem lá ver que alguém entrou no teu carro! – o meu coração bate mais forte, o meu carro!! Mas depois desconfio – como a minha mãe me ensinou a fazer,
– Mas tu não és meu guarda! Meu guarda não está lá?
- Sim, mas eu que vi: dois moços, um claro e outro muito escuro estacionaram assim, colados teu carro e entraram, eu que salvei, iam roubar teu carro senhora, agora mesmo iam! – esta parte incomoda naquele lugar onde a filosofia da partilha não chega, levar meu carro??
A mim apetece-me sair a correr e ir ver se ainda está lá – mas assim para além da filosofia também se vão os conselhos da mãe, e ainda o carro, é muita coisa para perder numa noite mesmo para quem questiona isto da posse…
- Mas, lá em baixo tem muitos carros, qual é que é meu? – preciso de falar mais com o tipo para estudar se é mesmo verdade… tenho vontade de sair mas as escadas são escuras e já me imagino a ser apanhada numa ratoeira, e oiço mesmo as palavras da minha mãe: “eu não dizia?”; e as minhas amigas: “nem eu que sou moçambicana não faço isso!”; e os meus amigos: “tens de ter um homem contigo, sozinha vês o que acontece?”; e todos lá na tuga: “pois, África é muito perigoso” – ele não sabe ao certo mas responde,
- Eu que confirmei com esse moço Giro, “esse carro não é daquela branco daqui?” É teu carro! Um… cinzento.
- Chama lá meu guarda – ele sai, chateado. Eu estou certa de que é mentira e penso que ainda bem que não segui o primeiro impulso, as coisas que podiam acontecer!
Mas o rapaz volta, com o meu guarda,
- Senhor guarda, com meu carro está tudo bem?
- Sim senhora, tudo bem. – o rapaz não cabe em si,
- Mas, se tem as portas abertas?! Dois moços estavam lá dentro! Eu é que vi.
- Senhor guarda peço ir ver.
- Ok, você que sabes!! – e, na verdade ainda duvidando, lanço um vago
- Obrigada moço! – ele já se afasta num
- Aaaaaaaaaaaaaahhhhhh senhora! - eu fecho a porta. Meu coração continua de batida agitada e não estou satisfeita com a solução…
(continua)

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