sábado, 28 de agosto de 2010

Moçambicano tem papo, mas…


Sim, sei que é tema recorrente aqui em meu xikwembo, mas intriga-me… como pensam os homens moçambicanos. Porque é tão difícil encontrar verdade?
Não falo de verdade como se fosse falasse de coisa absoluta e unânime, universal… ou sequer mensurável.
Falo da verdade de cada coração, só isso. Da personalidade única de cada mente, da expressividade inimitável de cada corpo.
Não falo de romantismo, de copiada declaração da mais popular novela brasileira, da repetição mecânica do modelo monogâmico católico europeu, da abstinência americana, ou do celibato budista…
Nada, falo de ser. E assumir.
No passado Domingo, 22 de Agosto aquela hora das 18 recebi esta “carta de manifestação de interesse”, que transcrevo ipsis verbis:

«Yah, isto vai ser simples. Nada de palavras difíceis ou de frases falsas. Isto não é uma carta de amor. Isto é o que eu sinto. E aqui não te vou dizer que és linda, ou que brilhas, ou que és o centro do meu planeta. Não. Não vou falar-te do céu azul, dos raios do sol ou da lua, nem de pássaros verdes a voar, ou de borboletas num girassol, nada.

Até seria muito engraçado, sabes. Dizer que o teu sorriso é cor-de-laranja, que quando estiver contigo até as noites mais escuras ficarão coloridas, ou que mandei lixar todos os meus livros de cabeceira para ler em regime de exclusividade aqueles teus textos naquele jornal verdadeiro...

Não perderei tempo procurando palavras para descrever aquele teu olhar. Sim, naquela foto. Como é que se diz numa carta que os teus olhos ficam muito mais bonitos quando parecem estar a olhar para mim?! Yah... Ou que quando falas, e a tua voz ainda sequer a ouvi, que quando falas é como se eu estivesse a ouvir a minha balada favorita a partir da voz da cantora preferida da minha cantora preferida... E como eu diria numa carta que te encontrei assim, do nada, como se encontra uma flor no deserto do Sahara facebookiano?!

Palavras para quê, se não sei usá-las?! Faz-me mais feliz o que sinto ao escrever para ti do que o que eu escrevo para ti. Não entendeste, né? Nem eu... Mas esta incompreensão mexe comigo de tal forma que tristeza parece ser tudo o que vejo quando afasto os meus olhos dos fascículos de imagem, texto e som que me chegam de ti, a partir daqui do Facebook. E daquele jornal...

Sabes, Joanita, agora eu já nem sei se tenho um coração ou um cofre, onde guardo o melhor de mim. Para ti. Amor? Não sei. Sabes tu o que é isso de amor? Eu não, mas deve ter sido isso que me tem guardado para ti, este tempo todo...

Queria roubar o teu coração como ladrões roubam celulares num paragem de chapa, sabes? Ou atrair-te para mim como bêbados são atraídos por barracas lá do Museu!!!

Juro. Mas eh... É melhor eu parar por aqui, antes que abale as estruturas da fundação da tua relação vigente.»

Que dizer? Gosto particularmente da ideia do coração roubado como celular, da atracção como dependência de barraca… gosto do que sabe a verdade mesmo que seja insípido, inseguro, breve… disparatado até. Principalmente o disparatado.
Sim, moçambicano fala, fala, fala… moçambicano tem papo… mas?

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Hei-de vir!


- Amanhã tenho cena às nove horas, posso levar teu carro?
- Ya, podes, na boa, mas às 12 tás aqui, ok? Tenho djob às 12 horas.
- Ya, tá nice.
- Às 12. Não “aquela hora das 12”, mesmo 12!. É djob novo hã, não quero atrasar eu, ok?
- Na boa, hei-de vir 12 horas.
- Tou pedir a sério ok? É importante para mim, boss novo, sabes como é.
- Ya, sei não tem problema, hei-de estar.
- Mas tu não vais aquela cena que estão teus bradas? Vê lá, vais querer ficar no papo, vais atrasar, ysh melhor não levares, né?
- Nada, eu venho. Na boa, não vou falhar.
São 11h45 e eu faço a chamada, o telefone toca, toca, toca, mas ninguém atende. Hum… em Moçambique quando não atendem o celular tudo aquilo que estava combinado, seja contrato ou casamento, fica em questão. Não atendeu… ysh… aha wenna! Ok, plano B, envio mensagem. Passados 10 minutos ele liga.
- Alô.
- Desce, tou aqui.
- Ok.
Calço os sapatos a correr, fecho a porta, a grade, os cadeados, desço. Não está ninguém cá em baixo.
Eu espero.
Espero.
Espero.
Espero.
Espero.
Por 20 minutos eu espero.
Porquê?
Quando combinamos alguma coisa todos nós podemos escolher não falhar, se temos dúvidas, impossibilidades, compromissos, falta de vontade, desinteresse – qualquer razão para não cumprir o combinado podemos avisar. Ou não?
Mas moçambicano não gosta de dizer que não, de contrariar, de mostrar que não sabe, não quer, não gosta, não tem certeza. Moçambicano gosta de dizer que sim, afirmativamente ele aceita. Ainda a pergunta vai no meio e ele já acena com a cabeça “Sim, sim!”, concorda, muitas vezes até sugerindo possibilidades, definindo pormenores. Mas depois, invariavelmente, atrasa, falha, falta, esquece, engana, desleixa, gazeta, desprograma, mente…
E se insistes no combinado, se alertas mesmo para que se há problema com aquela data, aquele horário, determinado local ou actividade podemos mudar é rápido e afirmativo nas confirmações e pode até zangar com a tua desconfiança sobre o seu cumprimento de horários.
Mas depois… mesmo que esteja a sair da casa em Belo Horizonte e fale com quem o espera numa rua da baixa ele diz: “estou aqui”.
Em Moçambique “aqui” é especificidade de lugar indeterminado, mas distante. E a expressão “vir” é verbo para sempre incompleto.
A própria expressão muito comum “estou a vir” é contradição em si própria, como se pode “estar a vir”? Só podemos estar a ir… acção ainda não concluída!
Mas no fundo, como a maioria das expressões usadas em Moçambique, é expressiva esta forma, bem mais que o português comum a que eu estava habituada.
O estrangeiro que conheça o português que se fala em Portugal e chegue a Moçambique pode por algum tempo acreditar que aqui não se fala “português correcto”, mas desenganem-se, o português é correctíssimo, e o que parece um erro é apenas expressividade linguística de um pensamento de outro modo oculto. Na expressão “hei-de vir” por exemplo, está bem presente a ideia que está por detrás - invariavelmente o que a usa pensa para si: “posso atrasar mas sempre hei-de vir”.
Moçambicano não chega, moçambicano atrasa.
Mas aqui não falo de horas, de relógios, de questões culturais, de questões de produção nacional ou organização governamental, falo de respeito.
Entre duas pessoas comunicar é conseguir pôr-me na pele do outro, sair de mim por um momento e no outro sentir a hesitação, a compreensão, a dúvida, a incredulidade... sentir o que ele sente.
Atrasar é dispor do tempo do outro, e isso não é um direito meu.
Atrasar é dizer que o tempo do que espera por mim é menos valioso que o meu.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Desaparecida, viajaste?


Sim, viajei.
Porque moçambicano não se desloca em trabalho, não faz férias, não sai no fim-de-semana. Não, moçambicano viaja – só, seja a deslocação intercontinental, para o estrangeiro, para as províncias ou apenas para fora da cidade de maputo.
Viajamos para o estrangeiro e viajando ele é outro. No estrangeiro tudo é diferente.
No estrangeiro moçambicano bebe água de coco, mas é porque é mais fresca.
No estrangeiro caminha na calçada da marginal, mas é porque é mais limpa.
Exercita o corpo mas porque é moda que todo o mundo segue.
Paquera a mulata, porque ela aqui é estrangeira.
Fotografamos.
- Ei, deixa ela tirar as fotos, ela é fotogénica.
- Mas…
- Sim, tira boas fotos, deixa ela fotar.
Sim, moçambicano é fotogénico.
Todos sabemos Moçambicano não gosta muito de horários, mas a verdade é que o avião não voa aquela hora das 17. Voa a hora exacta, precisa, sem esperar por ninguém, sem querer saber dos problemas de transporte, de família, de rancho ou de malária. Por isso moçambicano em viagem sofre.
Chegamos ao aeroporto e aqui em casa os conhecimentos ajudam, agilizam, facilitam. A sala de check in está lotada mas facilmente se comunica com o brada ao balcão e com a connection na direcção, aqui em casa não há problemas.
Mas fora do ritmo descontraído de Maputo o caso já é diferente, chegamos a Lisboa e atrasamos no tempo. Depois de várias tentativas finalmente estamos todos, todas as malas, os passaporte, os bilhetes. Mas somos muitos. E sempre algum de nós quer ir; comprar revista, tomar água, ir ao banheiro, fazer chamada, paquerar estrangeira. Mesmo depois de longas esperas e depois de todos prontos na sala de check in ainda falta algo. Moçambicano desconfia de aeroportos, de funcionários, de transporte de malas e scanning de sacos – moçambicano não leva saco assim desprotegido, nu. Nada, Moçambicano “emplastica”.
Ok, depois de 40 minutos e seis malas enroladas em plástico cor de laranja estamos prontos. Estamos sentados frente ao painel de check in, aparentemente pouco alerta para o facto de que estar ali não adianta muito, é preciso fazer o check in! E só passado quase uma hora de papos e estórias sobre a política, os teatros e as autoridades de Moçambique só aí nos apercebemos que é melhor avançar. Avançamos. No balcão, na habitual formulação frásica formal de Portugal, com cara fechada somos admoestados como crianças:
- Meus senhores gostaria apenas de alertar para o facto de que o horário limite para o check in é uma hora antes, têm agora sete minutos para o fazer.
Embora o funcionário até tivesse razão não pude deixar de notar que nem todos foram tratadas desta forma... e que mesmo eu, inserida neste grupo, recebi um sorriso.
E como viajamos em grupo em geral um de nós leva todos os documentos, que entrega juntos, identificando depois cada um de nós à medida que passamos. E não pude deixar de notar que invariavelmente consideram que eu estou no grupo errado. E isto eu não entendo, porque acham que isso de se moçambicano, em Moçambique ou no estrangeiro, se distingue na cor?