sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Intimidade fecha boca

No snack-bar diz o brada dele:
- Os gays estão à vontade nas suas coisas, por mim estão! Mas porque é que têm de as passar para o mundo? Desde que não tragam ao mundo por mim tudo bem!
- Mas que é isso de “trazer ao mundo”? Falas disto, de estar abraçado, de dar a mão?
- Ei, das coisas que vemos na tv, por todo o lado!
- Ah, a televisão, o Google, a internet, qual é a tua sugestão, um Google especial Moçambique? Como fazem na china?
- Ei, isso não são coisas de nossa cultura, isso é mais problema de branco, por isso…
- Olha, eu não sou racista e acho que não há nenhum problema que seja apenas “problema de negro”, por isso não sejas comigo, ok?
Eu converso empolgadamente com os amigos dele, e o jantar que comia já o esqueci, ele faz-me garfadas de omolete de ovo e salada e vai alimentando minha boca:
- Amor come. Podes falar mas come, estás a deixar tua comida. – a conversa continua:
- Mas qual é o problema? Diz-me lá o que tens tu a ver com o que as outras pessoas fazem na sua intimidade, dentro do seu quarto?
- Mas não está certo.
- Não está certo porquê? Entras onde tu nesse assunto de cama dos outros?
- Mas não faz sentido, com uma mulher podemos ter tudo, porquê ir procurar homens?
- Mas se tem pessoas que gostam, deixa! Qual é o teu problema com isso? Também tem pessoas que gostam de mulher gorda, ou magra, alta ou baixa, que tens tu a ver? Podem gostar de homem e…
- Eu não gosto que essas coisas se tragam ao mundo!
- Mas o mundo é isso tudo, tudo se “traz ao mundo”! Ela é tua mulher não é? – ele intervém baixinho:
- Ei, sch, namorada! Casa 2 pah…
- Ok… não importa, tu gostavas que alguém viesse lá no teu quarto te dizer o que podes ou não fazer com ela? Não gostavas né? Então porque queres te meter nos quartos dos gays? – o amigo dele continua:
- Eh pah! Eu não quero isso, não é isso aí mas me incomoda, é errado! Não gramo pah! Mas quem és tu pah? Vistes de onde mesmo? – ele continua a dar-me comida à boca:
- Amor, como faaaaaaalaas!
- Porquê?
- Nada, falas bem – falamos alto, as pessoas nas mesas à nossa volta olham-nos, ele continua:
- É minha mulher esta, não fala beem?
- Ei, eu não sou tua mulher.
- És. Não somos casados nós?
- TU és casado! Eu não.
- Mas vamos ser, é igual.
- Nada!
- És minha mulher porque eu te amo.
- Nada, tu amas aquela que tens lá em casa.
Sim, conversamos na esplanada, discutimos no café, rimos pela rua e trocamos insultos brincados quando terceiros estão presentes, sim… mas lá… quando fechamos a porta. As coisas mudam… aí eu peço o que não posso repetir e dou o que não posso confessar, e naquele momento, no momento crucial eu digo qualquer coisa! Aí é como assinar cheques em branco. Sim é caro, é perigoso, mas eu aceito. Aqui aceito tudo, e aqui ele é meu homem, eu sou sua mulher, não se questionam as opções, os gostos ou as manias. Somos dois – ou o número que formos – e nas coisas que fazemos importa apenas que todos os envolvidos gostem, desejem, tenham prazer. De acordo?
- Amor fala baixo, lá em casa a minha relação acabou.
- Mas se acabou porque vivem juntos?
- Você é confusa mesmo! Parece da beira pah! Porque eu para investir contigo tenho de ter garantias!
- Não tem aqui, garantia é para electrodoméstico.
- Você não me abusa!
- Porque? Só tu que podes abusar, é?
- Lá na cama não falas assim…
- Não estamos na cama!
Mas então se na tua cama fazes o que te apetece, o que te faz pensar que podes fazer juízo ou critica à cama dos outros?
- Eu não te abuso, estamos apenas a ver tuas liberdades, a te dar balizas, isso não pode ser assim. Tu não podes desautorizar-me porque as pessoas são maldosas, elas não entendem que estás a brincar.
Eu estou a brincar? Pois, agora pensando bem, acho que as garfadas que me enchiam a boca eram para me calar…

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