sexta-feira, 6 de maio de 2011

Made in india


Sim, estou na índia. Escrevo tantas vezes sobre o quanto é bom esta saída. E não falo deste destino em particular falo da saída da zona de conforto.
Sim, há o medo, claro, o desconforto inquietante da insegurança constante. Mas claro que é ilusório. Não este desconforto com sabor a nómada, mas o conforto que o sedentarismo nos dá, esse é que na verdade não existe.
E por isso eu gosto de viajar, de mudar de lugar, de agitar nos passos as certezas do sofá, da televisão, da água quente na torneira, do matabixo habitual na mesa.
Estava há uns anos em Portugal e numa daquelas viagens de itinerância de espectáculos em que toda a companhia dorme em hotel, na primeira noite queixava-se um dos actores “é pá esta noite foi difícil, estranhei a cama, eu não consigo dormir sem a minha almofada”, e a mim dava-me vontade de rir.
O homem é feito de hábitos, sim, mas o mundo muda todos os dias, nós mudamos, os nossos sentimentos não são estáveis, as emoções oscilam e as relações alteram-se. Assim mesmo, todos os dias. Eu não sou a mesma pessoa a quem disseste “gosto muito de ti e das tuas loucuras”, claro que não sou.
E podemos dizer que não temos medo, assim mesmo, não temo viajar, entrar no inseguro avião, enfrentar os desconhecidos perigos das cidades misteriosas para mim.
Eu viajo sim, no caminho que ainda não pisei e me faz tremer os passos.
Como no primeiro encontro com um homem com quem sonhei noites, em expectativa, eu tremo.
Antes de ir não sei bem o que vestir, troco três vezes de saia e penteio os cabelos como se os tentasse domar. E quando chego não sei se olhe nos olhos, não sei se aperte a mão ou lhe beije ao de leve a face.
Chego à índia, primeiras horas no destino que desconheço, são preciosos os primeiros contactos.
Não é obra do destino não, mas no avião encontro um ex-amor e logo ali se lavam os desentendimentos, se cavam as distâncias das culpas. Para quê? É inútil quando no fundo ali só vivem as dúvidas, aquelas que ainda não estamos prontos para responder.
Viajo para aprender. E é agora o momento de viajar. Agora que o meu dia-a-dia me confirma as escolhas: os vizinhos aceitam já a minha maneira abusada de parquear o carro; no caminho para o trabalho já não vejo as acácias vermelhas; na esquina onde bebo com as amigas já nos servem “o habitual” sem perguntar… é quando nos sentimos assim, em casa, que é momento de viajar, de sair, de arriscar.
Eu saio. Saio com o amortecimento macio dos amigos que se despedem, dos alunos que choram, dos colegas que nos sentem a falta
Carrego apenas um saco com pouco mais de 10 quilos de… “coisas”. Para viajar um ano carga tão leve parece prova de desprendimento, mas viajo de coração cheio. E agora sei que com um coração cheio we do not travel light.
Diziam os amigos:
- Vais ter com os monhés?!
- Vais voltar a cheirar a caril pah!
- Vê lá keep in touch não fiques matreca!
- Fazes parte das minhas “amigas om”, que se dedicam a essas coisas das meditações, vê lá se não malucas pah!
- Eu não percebo esse teu deslumbre por um povo que divide os seus em castas!
- Não ofereças os cabelos a Shiva e voltes careca pah!
Digo muitas vezes que Moçambique é minha casa, que em lugar nenhum até agora me senti tão confortável... Entro na índia com a memória forte desse calor, e, embora o plano seja estudar no Sul do país com um mestre indiano eu apanho um avião para Norte e vou encontrar com… moçambicanos.
É para mim deliciosa a visão de um hotel cheio de africanos, aqui, na capital da Índia. Amortecem-me mais uma vez a queda, os caminhos misteriosos dos afectos.
Sim, eu sou dada a estas coisas: espíritos, energias, sinais e xikwembo. É da minha natureza olhar sorridente estes encontros do corpo físico pelas energias etéreas do mundo.
Escrevo. Sim, escrevo sem pensar em ti talvez, acreditando apenas que isto que me toca cá dentro te pode também tocar… aí dentro, na zona do te corpo que mais responde a maia, a energia subtil do universo.
Mas nos primeiros momentos em lugar novo é apenas assim, vemos as coisas acontecerem e não as entendemos. E são estas as armadilhas dos aviões, em menos de 10 horas eu mudo completamente de clima, de língua, de contexto cultural… tropeço no tempo e no espaço, e pelo menos para mim, é… tão brusco. Este momento aqui, o das primeiras horas num destino novo, é tempo apenas de leitura e de adaptação. O corpo não físico ocupa-se bem assim, mas o corpo físico não pode ficar suspenso esse tem de agir, né? Tem de existir.
E o meu existe.
Depois do jantar beijamo-nos no elevador do hotel.
Acordo às 3 da manhã deitada numa posição impossível na cama branca, por uns momentos não sei onde estou. Sinto-me sem dúvida em Moçambique. Acho que bebi demais…
As despedidas são isso mesmo, não acontecem quando eu decido.
Diziam os amigos:
- Yuh! Vais para a índia??!! Nada, paaaah tu já não voltas!
Mas, eu? Na verdade acho que ainda não daí saí!

2 comentários:

  1. Viajar e aprender, uma excelente filosofia de vida.

    ResponderEliminar
  2. é a maneira mais difícil e amarga de aprender, mas também a mais rica e deliciosa!

    ResponderEliminar