sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Da espera


São 4h20 da madrugada e eu estou fechada nas escadas de um prédio. Não tenho chave para voltar a entrar na casa que não me pertence, não tenho chave para abrir o portão da rua para sair para a liberdade (que me pertence). Não sabia… só agora quando cheguei lá abaixo vi o portão da rua fechado, o arame farpado por cima do muro, como podia eu adivinhar? Como podia adivinhar que a chave do portão, essa, fechei eu lá dentro da flat no momento em que bati a porta…
Que fazer? Lá dentro dormem dois homens. E a julgar pelos telefonemas que faço, pelos murros na porta que dou - de sono pesado. Mesmo muito pesado.
E agora, eu que leio os sinais, qual é a leitura deste?
A vida é uma coisa complicada.
Já se ouviu a chamada para a primeira oração do dia na mesquita mais próxima. Será esta a mensagem, será para mim o caminho do islão?
A cidade começa a acordar, e embora esteja numa avenida das mais movimentadas os pássaros são os primeiros a dar sinais do nascer do dia. Oiço um ou outro carro, alguns na velocidade própria da noite passada em claro, outros no passo lento da preguiça matinal.
Eu, sentada nas escadas, à porta desta casa que visito pela primeira vez, escrevo. Tenho mais 58minutos de bateria do computador e imagino que mais duas horas de espera…
Espero.
A espera é dos poucos momentos da vida quotidiana em que o privilégio de não ter nada para fazer acontece, mas em geral não temos a capacidade para usufruir dele assim, sem culpa, com prazer. Quantas vezes nos queixamos que nem temos tempo para respirar? Nos nossos dias sem pausa para tomar chá, nas semanas sem tempo para tchilar, nos meses sem Costa do Sol, Bilene ou Ponta do Ouro, nos anos sem viajar… quantas vezes desejamos apenas isto: estar sem fazer nada?
Eu, a privilegiada, espero.
Ai, como é que me meti nisto? Há dias em que o meu instinto fica assim, avariado, e nestes dias devia fazer apenas uma coisa, ficar em casa.
Inquietam-nos as esperas não é? E eu, que não tenho mais nada para fazer, penso sobre isso. Porquê?
Verifico que de cinco em cinco minutos olho para o relógio, às vezes menos. Tento distrair-me, esquecer o facto de estar presa aqui, mas dura pouco tempo, na maior parte do tempo o sentimento de contrariedade e insatisfação é o que prevalece. Contrariando todas as leis do carpe-diem, do valor do momento, da meditação e do abandono dos preconceitos da consciência e da entrega total à qualidade do sentir - penso em duas coisas, no antes: o que podia ter feito para não estar nesta situação; e no depois: o que faço para sair dela. Estratégias, tentativas, planos “quando sair daqui vou…”
Na rua começam a ouvir-se pessoas, conversas, vassouras. E lá dentro, porque não acordam eles? Amanhã vou estar impossível no djob, não vou dormir nada. Porque é que não acordei alguém antes de sair? O que é que eu estou aqui a fazer? Meto-me em cada uma! Ao menos aproveita o tempo, escreve – falo sozinha, os mosquitos incomodam-me, escrevo.
Começo a pensar na quantidade de líquidos que cada um de nós bebeu, nalgum momento terão vontade de ir ao banheiro, não? E penso nos compromissos, ambos falaram em acordar cedo mas o celular com o despertador está na sala, e com as minhas chamadas já tocou muitas vezes, e sem ninguém atender, acordar, sem um som ou um movimento de resposta. Continuo a telefonar mas o celular está na minha perna, já nem o levo ao ouvido. Deixo de ouvir o toque do telefone e oiço uma voz ensonada: estou?
Ei, atenderam!! Atenderam o telefone, estou free!

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