sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Moluene não é pessoa?



São duas da manhã e eu estou a voltar para casa.
Na Av. Karl Marx, lá em baixo, alguns rapazes batem num homem que está deitado no chão. Eu abrando instintivamente o carro mas depois penso segunda vez, e sigo…
Sigo mecanicamente, no semáforo vermelho paro, quando muda o sinal avanço, observo à esquerda e à direita, carrego com o pé no acelerador, volto o volante, sigo para casa – o celular toca, eu atendo por automatismo mas nem sei o que me dizem do outro lado, respondo em “hum”, e “hã”, e “sim” e “não sei bem”, e “ok”… Desligo. Estaciono o carro e quando fecho a porta vejo no vidro o meu reflexo, a minha expressão, olho-me nos olhos. E tenho vergonha. Entro no prédio, saúdo o guarda, subo as escadas devagar… avanço pelo corredor, abro a grade, abro a porta, entro em casa, acendo uma vela, fico a olhar a chama viva. Tenho vergonha, desde quando sou assim, cobarde? A cena que vi incomoda-me, não penso em nada.
No dia seguinte passo para ir para o serviço, a rua está cheia de gente, há carros, tchovas e chapas, muitas pessoas atravessam a rua, juntam-se nas bancas de fruta, ao pé dos vendedores de roupa das calamidades…
E no chão… está o corpo do homem. Está lá. Deitado. No chão.
Os chapas desaparecem em fumos de tubo de escape, os tchovas carregados de bananas passam, as mamanas com os baldes de fruta passam, os vendedores de Giro, as crianças com os uniformes, dois homens de fato e gravata. Ele está lá, deitado no chão. Ninguém o olha. Ninguém vê?
Volto a ficar parada nesta imagem mas não faço nada, não sei o que fazer.
Regresso do serviço. Estou parada no semáforo na 25 de Setembro, deitado no chão, na faixa divisória, está o corpo de um rapaz, uma titia está mesmo ao lado dele, à espera que o sinal mude para verde, eu também espero. O corpo está ali, deitado, inanimado, talvez morto.
Do outro lado da estrada, mais à frente, outro corpo.
De novo sigo, de novo chocada comigo mesma, o que é que me permite que passe assim, que siga caminho?
Como nos permitimos seguir? Todos nós, em todos os lugares da cidade, do país, do mundo, como podemos pensar que não há nada que possamos fazer, que não adianta pedir ajuda ou tentar ajudar, que é problema que não temos de ser nós a resolver?? Como podemos?
É uma pessoa que está ali deitada. Uma pessoa. Ainda saberemos o que é?
Porque não faço nada? Será que penso que é diferente de mim porque a roupa que veste está mais suja, porque não cheira bem, porque não tomou o mesmo banho do que eu, porque não tem casa, porque está doente? Por isso é diferente?
E nestas características que pode ter, em qual delas é que deixa de ser pessoa? Quando é que deixa de sentir, de ter batidas de coração, medos, desejos, dores, sonos, sorrisos?
É uma pessoa. Ou não é?

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