sexta-feira, 9 de abril de 2010

homem que é homem III


- Ei, Joana, tens de fazer um xikwembo sobre os homens que vão ao salão! Na sexta-feira está cheio deles! Mesmo lá onde que eu vou, a sério! Vem lá ver um dia!
No hemisfério Norte é uma luta espalhar um creme na pele, muitas vezes ressêca, de um homem! Mas aqui em África não existe aquilo que se chamou de metro sexuais - por declarado desconforto para com os hábitos aparentemente afeminados de homens viris, de masculinidade comprovada (como futebolistas com mulheres esculturais e rebanhos de mais que dois filhos) - nada, aqui homem que é homem vai ao salão, arranja as unhas, hidrata a pele…
Viajo para Nampula durante um final de semana e comigo viaja um moçambicano preocupado:
- Ei, em Nampula onde vou fazer as unhas? Ontem nem tive tempo puxa…
E todo o homem que é homem que visita a minha casa passa pelo toucador e pergunta:
- Isto é creme? – e mesmo antes da minha resposta recebo um imediato:
- Ya, é de baunilha, tou a sentir, maningue nice!
Mas homem que é homem é homofóbico. Não quer ouvir falar de homossexualidade nem em piada! Que não é natural, que não é lugar para essas práticas!
Fala mesmo como se não coubesse a cada um a decisão sobre o que fazer com suas partes. E na sua falta de argumentos ainda avança:
- Ok, podem fazer o que quiserem mas lá na casa deles, à minha frente não!
Homem que é homem fala assim enquanto perfuma de óleo de jasmin o cabelo.
Porque homem que é homem sente que sensibilidade é motivo de vergonha.
Homem que é homem não sente.
Ou pelo menos não mostra.
Homem que é homem não ama, está à espera do segundo filho mas nem tem tempo para o primeiro.
Homem que é homem não chora, não partilha, não dá nem recebe
Talvez nalguns casos ele entenda sua dama, seja carinhoso, se lembre dos aniversários e até celebre com flores o dia dos namorados mas hoje… hoje é sexta-feira e ele de mansinho vai introduzindo o assunto:
- Hi, meu brada ligou-me… ysh já vai insistir para eu sair… - Eu para mim não entendo, não é a vontade de sair, nem sequer o facto de sair com os bradas significar não sair comigo, até a isso já me habituei, mas as reticências, para que servem? De que vale a justificação de que são os bradas que estão a insistir, de que vai demorar uma, ou duas horas de tempo?
- Eu te pedi? Não te pedi. Não me importa o tempo que ficas fora nem na verdade me importa o que fazes com esse teu tempo. - Pois, não soa bem não é? Damo não gosta do desinteresse que parece que esta formulação encerra e por isso eu não o disse, mas pensei. Vejamos, eu não estou a falar de adolescentes, que facilmente se influenciam e se deixam influenciar pelos amigos, nada, falo de homens feitos, que sabem muito bem tomar decisões, no trabalho, em casa, e de certeza entre bradas. Mas não fica bem…
Homem sai com os bradas. Não com a dama.
Homem não come xiquento, come sempre da panela a comida acabada de fazer.
Homem quando viaja não faz a mala, em casa não fala à empregada, não sabe das ementas, das compras de rancho mensais ou das arrumações.
Porque para a maioria dos homens, isso é coisa de mulher.
Mulher serve para lhe organizar a casa e a vida, para lhe dar filhos, para casar, para apresentar à família…
Para agarrar tem todas as outras. Para tchilar tem os bradas. Para pensar, discutir elaborar (os que se entregam a essas práticas) tem os colegas de trabalho…
No fundo ao homem que é homem não lhe importa o que eu sinto e muito menos o que eu penso ou quais são as minhas considerações sobre política, sociedade, tecnologias ou desporto. Esses não são assunto de mulher e quanto às temáticas que consideram femininas: saúde, espiritualidade, família, moda, gastronomia… essas não lhes interessam nem um pouco. E a mim a questão surge-me de rompante – interessar-se-ão mesmo os homens pelas mulheres?
Eu tenho as minhas dúvidas.
A piada surge, mas é mais digna de lamento que de riso:
“- O senhor casou com a sua mulher por amor ou por interesse?
– Bom, deve ter sido por amor porque ela não me interessa para nada.”
Isso é ser homem?
Um leitor comenta de si para mim que não é por mal, ao homem que é homem falta crescer. Pois sim, nós mulheres aguardamos.

1 comentário:

  1. Alô Joana,

    adoro teu blog. sempre que posso leio os posts. acho que tens uma sensibilidade linda para perceber as subtilezas da cultura moçambicana. isto me encanta. gostaria de saber se é possível reproduzir alguns dos teus textos para discussão em oficinas sobre género (estou pensando nos posts Homem que é Homem). Um abraço. MArcos Benedetti

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