sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Moçambicano tem papo, mas… II


Ser ou não ser, em moçambicano.
Aqui, em geral, não se ouve nunca um não, é muito raro.
E isso parece bom? Generoso? Concordante?
Não é.
Estou em casa. Ele senta-se, nervoso. Há dias que age de forma estranha, há tempos que foge, há semanas que pouco ri, nada dança e mal beija. Amor faz mecanicamente e o seu olhar fala muito de deveres e pouco de prazeres. Depois de um mês de fugas, e sob pressão, ele começa finalmente a falar:
- Sabes?... eu… não me sinto bem… eu… não consigo falar sobre… o que sinto… e embora me sinta assim há… muito tempo… só agora que estamos… aqui… consigo dizer-te que… eu… não consigo dizer…
Parece um excerto do teatro do absurdo? Poesia? Simbolismo.
Não é. É a pura realidade.
Sim, dizem que eu vivo em fantasia mas é a realidade que é assim!
A questão é que moçambicano não fala.
Esconde, disfarça, reprime, representa, finge, mente.
Não gosta de dizer que não e aceita quase todas as outras opções.
- O que é que tu fazes?
- Sou actriz.
- Sim, eu vi-te num DVD de uma peça de teatro aqui! Nice.
- Sim, a joana faz parte do 1% da população que fazem aquilo que gostam.
Duas coisas engraçadas, a primeira é que ninguém imagina que eu possa fazer teatro e não gostar. A segunda é que seja extraordinário, quase revoltante – sentimos muitas vezes o tom áspero do comentário – que alguém possa fazer aquilo que gosta.
E para mim tudo isto se prende com o Ser.
Não sei se sou só eu que vejo isto, mas parece-me que o mundo anda virado. Ou então é o verdadeiro sentido da vida que me escapa! Vivo para quê afinal? O grande objectivo de uma vida não é a felicidade? A minha, a dos que me rodeiam, a do mundo e da sua tão esperada paz?
Não é isso?
Ok, então vivo mesmo num mundo paralelo.
Mas desconfio que seja apenas na prática que isto possa chocar alguém. Porque em filosofia, em ideia todos concordamos, mas é na prática que me chamam, a mim!, utópica… não entendo.
Diz-me a minha mãe que eu me dou demasiado, que me exponho, que mimo, que cuido, que amo. E que devo ter cuidado porque as pessoas não merecem, que cada experiência devia ser uma aprendizagem do que devemos e não devemos fazer. Que eu devia guardar-me, poupar-me…
Mas para quê? Para quem? O Outro não merece ser amado? Seja quantos tenham sido os que falharam, não merecemos nós, tentar de novo? Amor não gera amor? E não receberemos mais tarde ou mais cedo aquilo que damos?
Sim, respondem-me, em teoria estamos de acordo contigo, mas na prática não podemos agir assim.
Como!? Para que serve então esta teoria?
Penso no teatro, na famosa frase “ser ou não ser”. Engraçado, esta questão é colocada como se fosse de facto uma opção!! Penso no desafio do teatro e parece que só agora entendi o verdadeiro significado desta questão… como chamá-la? Filosófica, diriam.
Mas cm’on? Filosofia? É das mais pragmáticas que conheço!
Pensamos e queremos: just be.
Mas é tão difícil ser…
A questão não é se devo ou não ser, a minha questão é se consegues, alguma das duas coisas. Porque neste caso há apenas dois tipos de pessoas, os que são e os que não são.
Mas, posso acrescentar outro? Há os que gostariam de ser.
Eu adoro Moçambique, e no coração sinto-me moçambicana, mas aqui se vê que não sou de cá porque eu… eu pelo menos tento!
Talvez me repita na ideia, mas já imaginaste que o que és pode ser muito mais interessante, cativante, apaixonante que o que tentas ser? O que imaginas que os outros querem que sejas?... Abre os olhos, isso não importa. Apenas sê tu próprio, e isso ninguém te pode tirar. O resto? O resto encontra-se nas novelas e copia-se das músicas pop.
MOÇAMBICANO VERDADEIRO PRECISA-SE.
Quem estiver disposto a ser pode contactar-me.
Kanimambo.

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