quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Pão não


3 de Setembro, zona continua calma, ligo para o serviço mas a tal greve é de três dias, hoje ainda nada. Recebo sms na mistura linguística habitual:
“What a week, take care, the city wakes little by little, somes chapas work, but lots of military in bairros, let’s hope for melhores dias.”
Um homem andrajoso remexe o contentor do lixo, encontra um saco de plástico que abre, põe a mão lá dentro e começa a comer, eu perco o apetite para mata-bicho.
Hoje tudo se confirma calmo e eu preparo-me, mesmo antes de sair toca o celular e avisam-me “careful, vai haver distúrbios a partir das 12 horas”… apesar disso saio à rua, tudo parece normal, mas nos ATM não há dinheiro, nas padarias não há pão, e no supermercado indiano tudo está meio fechado com grade. Os donos nervosos vigiam tudo. É estranho estar sozinha, de cesto na mão, a pensar se devo ou não rechear a casa de mantimentos para um mês. É estranho fazer fila para escolher coisas num país onde pode rebentar a guerra. Mas em qualquer país pode rebentar a guerra… Fico-me indecisa nas prateleiras que devo escolher… massas? Sim, decido-me por isto.
Saio para usar a internet, funciona. Na pastelaria encontro os conhecidos:
- Vinhas comprar pão?
- Eu? não. – reacção um pouco nervosa, quase envergonhada. Por querer pão? Como se a causa de toda esta confusão fosse de facto o pão!
Eu ainda pergunto ao balcão, por curiosidade:
- Tem pão?
- Nada, não temos.
Viajo na internet, e só sei que os distúrbios na cidade me ocupam mais do que pensava porque estranho no facebook os status de outros amigos, que falam alegremente da família, das férias, do amor… nestes últimos dias em maputo não se compra, não se ama, não se briga, não se estuda… vive-se e respiram-se os tumultos, apenas isso.
Muitos amigos estão preocupados, alguns que aceitam a sede de sangue dos media europeus como verdade, outros que conhecem África e sabem que pode tudo mudar…
Não deixam de me passar pela cabeça as estórias e relatos de outras pessoas e de situações semelhantes, com ou sem desfechos pacíficos.
Desligo o computador, na saída o conhecido está de volta e pergunta ao empregado baixinho: - Tem pão?
- Ainda. – ele sobe o tom de voz:
- Então mas não era dentro de uma hora que havia?! – eu passo por ele na saída:
- Então sempre querias pão!
Eu volto para casa, arrumo.
É inevitável pensar. E sentir como é bom dia para namorar, como seria bom, ficar aqui, agora, apenas abraçado. Sinto-me só entre as minhas coisas vividas.
E na verdade agora de repente, eu que raramente como pão até me apetecia… apetecia-me.

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