terça-feira, 22 de setembro de 2009

Da protecção




Agora Estou em África.
E na nossa imaginação aqui o clima é quente, as cores são fortes, os cheiros são intensos, os tempos ritmados.

Aqui vive-se perto da natureza, da origem do mundo, e nesse viver simples encontra-se algo perto da libertação, da felicidade.

Aqui é o lugar dos encontros, das viagens para o interior de nós. Das mudanças de vida, de consciência, de destino.

E eu não sigo pelos caminhos mais pisados, isso é bem claro, e até estou habituada a encontros invulgares, surpreendentes, estranhos nas situações mais vulgares, banais, quotidianas… até a algum tempo não sabia mas eu, eu vim pelos espíritos, é aqui que vivem.

Vim pelos que vivem nas colinas, nas montanhas rochosas. Nas correntes fortes dos rios e nas águas turvas dos lagos. No escuro das grutas e no abanar suave dos coqueiros. No guincho dos morcegos e no bater das asas das águias. Dentro das lamas, entre as areias.

Aqui encontrei o espaço e o tempo, aqui encontrei a minha casa.
Aqui recebi a chave - bom, durante algum tempo era apenas saber o truque para abrir a porta através do vidro partido… mas foi assim que lhe senti os sons e as forças, e foi assim que a cuidei.
No primeiro dia desço para uma primeira cerimónia de purificação: incenso, queimo incenso em todo o lado, queimo a pele com as brasas. Mas não surgem os sons. Na segunda visita sim, canto uma música que já quase desconhecia e ela surge sem aviso, surge-me primeiro no coração, depois nos lábios, e só depois na consciência:
“eu tenho um anjo,
anjo da guarda,
que me protege
de noite e de dia,
eu não o oiço,
eu não o vejo…”
para mim esta música é antiga e fala de mim, de lá – do lugar onde vivia.
Aqui ainda não sei, não conheço os espíritos de cá.

Hoje o Índico está morno, escuro e perfumado de algas, o vento rendilha as ondas de espuma branca. Caminho, sento-me, recebo na brisa a energia da Lua. Feminina e quente.
Os momentos são para mim e há muito que não admito intrusos.
Aqui tenho a conquista do tempo. O tempo é meu.

Aproximo-me da água e experimento a sensação que só um pontão que avança para o mar - um falo de rochas e pedras alinhando seu caminho mar dentro, recebendo nas costas as ondas, na ponta as algas e as espuma - pode dar. Avanço. O Índico está carregado da energia da Lua e o chamamento é quase verbal, não penso muito, dispo as roupas, avanço para a água, esta maré é para mim.
Mergulho numa onda e volto para as minhas roupas, molho as calças entre as pernas, o casaco no tronco, os cabelos pingam pelas costas abaixo, saio da praia com a cor viva e forte, doce e quente, de um banho de mar assim, solitário, bom.
Já dentro do carro o meu corpo parece que desce, os músculos descontraem apesar do frio, e como acontece sempre não volto para casa… ainda não conheço os espíritos daqui…



publicado no jornal @verdade

Sem comentários:

Enviar um comentário