terça-feira, 22 de setembro de 2009

Jobando na Rua Araújo II


Trabalhamos na Rua Araújo.
Dois passantes saídos do bar da esquina observam a cena:
- Quem morreu?
- Aquele de preto, aquele escuro.
- O que tá de pé? – dos dois este é o que está visivelmente mais tocado pelo álcool e olha o colega de lado –
- O que tá de pé morreu?
- Hum! Aquele ali dispara, aquele cai e morre e depois acaba.
- Eh! – exclama. De novo observa a cena e voltando-se para o amigo, o efeito do álcool alongando-lhe os tempos –
- … Mas ele… o que tá de pé… não morreu?... – volta ao seu olhar enviesado para o colega, desequilibra-se, quase cai -
- Pois, mas agora dessa vez ele não morreu, acho que não disparou bem, o outro, aquele claro! Sim, alguém falhou e não disparou.
- Mas morre? Hoje?
- Se já morreu! Da última vez morreu!! Parece que não ouves!! Não percebes português?? Estes são portugueses, tu parece que não percebes português!– o outro olha tudo à sua volta, como se confirmasse que outros ouvem o discurso do colega, não há reacções, todos olham a cena, ele conforma-se -
- Ok, mas fez o quê ele?
- Sei lá! É agora preciso fazer alguma coisa? Para morrer??

Na rua um homem rouba o espelho de um dos carros da equipa, há apoio policial que logo intervém:
- Onde está o espelho? – o polícia faz-lhe uma rasteira e ele cai de cara no chão, o homem não parece surpreendido com o tratamento -
- Está aqui perto..
- Perto aonde? Devolve o espelho!!!
- Não tenho boss, está com manos, aqui perto.
- Que manos? Diz!
- Eu não digo nada… eu não sei, tá com os manos.
- Hás-de ficar aqui, nem que fiques aqui três horas de tempo! E vais para a esquadra, arreio-te! Diz!
- Eu não digo nada. – o polícia algema-o, deita-o de novo no chão, rosto para baixo, o homem não parece surpreendido.

Montamos a luz na varanda da pensão da esquina. Na subida para o primeiro andar encontro um casal: ele, jovem, bem vestido, ela ainda quase menina, os pés a tremer nos saltos finos – o olhar dele vai baixo, no guardar do troco do pagar do quarto. Quando levanta os olhos esbarra nos meus, eu sigo de fugida, e a ele as cervejas já lhe fazem alongar muito os tempos. O olhar segue-me e o acompanhar do movimento do curvar da escada que subo desequilibra-o, escorregam os pés e cai sentado nos degraus. Olha-me, olha a sua acompanhante mas os olhares não se encontram – nela, a impaciência olha no relógio o passar dos minutos do primeiro encontro da noite. Na rua está muito frio ele espreita à porta, seguindo-me o rasto, mas já não sai, volta-se para a negra dos lábios doces e pergunta apenas:
- Ela também é de cá?

Filmamos na Rua Araújo até às 5horas e quando passo para casa, no final, grita a Jeje:
- Ei, vizinha, amanhã? Voltas amanhã para trabalhar?
Na passagem duas ou três pessoas voltam a cabeça, eu só respondo:
- Tata!


publicado no jornal @verdade

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