segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Jobando na Rua Araújo




Ela grita bem alto, na rua Araújo - ali no cruzamento com a Rua da Mesquita - todos ouvem, todos olham.
Os estrangeiros? Nem um olhar - entre o pudor de observar o corpo bem despido e bonito e o forçado profissionalismo fingem que ignoram - todos repentinamente surdos, cegos, sem desejos.
- Assim estão aqui, não é? A incomodar meu trabalho! – depois em tom baixo, para um dos curiosos que observam - E eu hoje até estava de folga mas foi esse meu amigo da Mcel que me disse que vocês vinham aqui na minha esquina, e eu vim logo! Para, quem sabe se precisam de ajuda! Porque esses mulungos, nem companhia, não tem! E tu, queres companhia?
Os estrangeiros são nervosos, e gritam, toda a gente sabe, o mulungo grita:
- Ei aqui estamos a trabalhar, quando disser silêncio quero silêncio, ok?
- Nada! Porque não vão apanhar esquina noutro lado? Eu mesmo não quero ninguém aqui com constipação nos sovacos! Mas aqui minha terra, eu não calo! Se estão no meu sitio! É para eu trabalhar aonde afinal?
O estrangeiro não reage e continua a trabalhar. É preciso continuar a trabalhar, como se ignorar o real dos lugares que nos incomodam, que não entendemos, que chocam com o nosso viver… como se esse ignorar o enfraquecesse.
- Ok, atenção vamos começar… - ela continua o grito -
- Aqui não há constipação nos sovacos!! Esta esquina é de qualidade!! – eu decido esquecer o grupo onde supostamente pertenço - poucas coisas me dão mais prazer - e sigo nos caminhos difíceis e ambiciosos da comunicação -
- Mana, como estás? Tudo bem? - ela é apanhada de surpresa, compõe os cabelos, desce a mão que mantinha na anca, quase na linha da mini mini-saia - desde que começara a falar, e diz com pompa, as palavras bem articuladas nos lábios pintados de laranja –
- E eu estou bem, não sei do seu lado!
- Mana, qual é teu nome?
- Jeje, obrigada! – mudando repentinamente o tom, o olhar, o gesto.
Os estrangeiros continuam a utopia do ocidente, desde que continue o trabalho tudo vai bem -
- Silêncio! – não se faz silêncio mas o silêncio foi pedido e seguimos o trabalho, e isso já é alguma coisa -
- Som? – pede-se que o som começa e ser registado e a verdade é que merece ser registado, embora os micros apontem para a cena…
- Está a andar…
- Eu aqui não quero ninguém encostado sem pagar!! E eu quero trabalhar e não quero minha cara aí nas máquinas, que eu, hi! Mesmo ao Faces não vou, que não gosto! E eu…
- OK, CORTA!!
- Jeje?
- Sim mana!
- Agora ali os whites estão a trabalhar e se eu pedir para calar tu calas, né?
- Ok mana, não tem problema, obrigada!
- Atenção, Som?
- Está a andar…
- Porque se eu na vossa terra for…
- Jeje?
- Sim, obrigada?
- Miela-te lá! Que eu também estou a jobar aqui!
- OK!

Filmamos na Rua Araújo até às 3horas e quando passo para casa, no final, grita a Jeje:
- Ei, vizinha, amanhã? Voltas amanhã para trabalhar?
Na passagem duas ou três pessoas voltam a cabeça, eu só respondo:
- Tata!
publicado no jornal @verdade

Sem comentários:

Enviar um comentário